"Tem se tornado comum nos tempos
atuais a constituição de pessoa jurídica para mascarar a relação
empregatícia".
A constatação é do juiz do trabalho Carlos Alberto Pereira de Castro, da 7ª
Vara do Trabalho de Florianópolis, que depois de muito trabalho, perícias e
quebra de sigilos fiscais, reconheceu o vínculo empregatício continuado de quase
dez anos de serviço prestado por veterinário a uma clínica de animais.
Entre 1978 e 2008 o médico veterinário trabalhou na mesma clínica, mas sob
diversas formas de contratação. Nos primeiros dez anos trabalhou como empregado,
com registro e contrato de trabalho. Em janeiro de 1990 foi admitido como sócio
da empresa e quatro anos depois constituiu empresa própria para prestar serviços
como veterinário na mesma clínica com exclusividade. Em janeiro de 2003 passou a
prestar os mesmos serviços como autônomo até 2005, quando, então, foi
formalmente admitido com carteira assinada. Em 2008 veio a falecer acometido de
enfermidade. A ação trabalhista foi ajuizada depois de sua morte pelos quatro
filhos herdeiros, três deles menores de idade, assistidos pela irmã mais velha,
advogada.
Após longa e minuciosa instrução ficou provado que o serviço prestado pelo
profissional foi o mesmo durante todo o tempo, com relação de subordinação ao
proprietário da empresa e jornada de trabalho cumprida diariamente na clínica
onde prestava atendimento e coordenava as demais atividades. Ele, inclusive,
representava a empresa junto ao Ministério do Trabalho e à própria Justiça
Trabalhista quando necessário, embora figurasse formalmente, na época, como
autônomo. O juiz registra que a condição de preposto dever recair
necessariamente em empregado da empresa, o que demonstra claramente que a
contratação como autônomo era fraudulenta.
Da mesma forma, a prova testemunhal demonstrou que mesmo quando o autor
constava como sócio da clínica, continuava se reportando hierarquicamente ao
verdadeiro proprietário. A perícia contábil também provou que embora constasse
como sócio, o veterinário recebia salários e não dividendos provenientes da
falsa participação societária. Para o magistrado, em tais casos, impõe-se
afastar a fictícia autonomia para reconhecer a continuidade do vínculo
empregatício, tendo em vista a "pessoalidade da prestação laboral pelo de cujus
no período discutido, bem como a habitualidade e a onerosidade, além da
subordinação jurídica".
Reconhecido o vínculo, a empresa foi condenada a pagar os 13º salários e
férias do período abrangido pela prescrição quinquenal, com os acréscimos e
multas legais e ao recolhimento dos depósitos do FGTS relativos ao período
reconhecido, neste caso obedecido o marco prescricional trintenário
(20/02/1979), além de reflexos decorrentes do comprovado pagamento de salário
extra-folha. Em relação a este aspecto, constatada a percepção de salário sem
indicação em folha de pagamento, com evidências de crime de sonegação de
contribuições à Seguridade Social, foram oficiados a Receita Federal do Brasil,
o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal, para as
providências cabíveis.
Foi indeferida a multa de 40% sobre o FGTS e aviso prévio, tento em vista que
houve a morte do empregado e o contrato foi desfeito por circunstâncias alheias
à vontade das partes, bem como foi considerada incabível a condenação por dano
moral.
Segundo o juiz Castro, ficou evidente que a ré alterou a verdade dos fatos,
citando circunstâncias que não ocorreram, não observando o dever de proceder com
lealdade, tentando induzir o juízo a erro, e buscando enriquecer-se
ilicitamente. Nessas circunstâncias, registra a sentença, "não pode este Juízo
ficar de braços cruzados ou fechar os olhos, devendo esse tipo de comportamento
ser rechaçado, até porque seria injusto com a própria sociedade que, ao vir
procurar a solução dos seus conflitos, se depara com um Judiciário assoberbado,
ainda mais com demandas carregadas de manifesta má-fé; devendo, portanto, para
não se incentivar esse tipo de ação temerária, mostrar que a Justiça é
séria."
A empresa ainda foi condenada por litigância de má-fé a pagar multa de 1%
sobre o valor da causa, revertida ao Fundo de Amparo à Criança e Adolescente de
Santa Catarina.
Os autores propuseram embargos de declaração e a ré recurso ordinário.
Processo nº 00979-2009-037-12-00-3.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região.
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